Repintando a igreja

Durante centenas de anos, os seguidores de Jesus, assim como os artistas, entenderam que é preciso prosseguir, explorando meios de viver em harmonia com Deus e uns com os outros. A tradição da fé cristã é cheia de mudanças, crescimento e transformação. Jesus teve parte nesse processo, levando as pessoas a repensar a fé, a Bíblia, o amor, a esperança, tudo enfim, e convidando-as a tomar parte em um processo infindável de prática de vida, de viver da maneira que Deus nos criou para que vivêssemos.

O desafio para os cristãos é, então, viver com paixão e convicção sem medida, permanecendo abertos e flexíveis, conscientes de que esta vida não é o quadro definitivo.

Os tempos mudam. Deus não muda, mas o tempo, sim. Nós aprendemos e crescemos, o mundo a nossa volta muda, e a fé cristã é viva apenas quando é ouvida, retocada, inovada. […]

Há inúmeros exemplos desse processo contínuo, mas vou mencionar apenas um. Cerca de 500 anos atrás, um homem chamado Martinho Lutero fez uma série de perguntas a respeito do quadro que a igreja estava apresentando ao mundo. […]

Isso não parou por aí. Lutero estava assumindo lugar num extenso rol de pessoas que jamais pararam de repensar e redesenhar a fé. Retirando camadas de tinta desnecessárias e, ao mesmo tempo, redescobrindo elementos essenciais que se haviam perdido. […]

E o processo não cessou.

Não pode. […]

A obra de arte de Lutero foi parte do que veio a ser conhecido depois como Reforma. […] Na verdade, os contemporâneos de Lutero empregavam uma palavra muito específica para esse processo interminável e absolutamente necessário de mudança e crescimento. Eles usavam a expressão em latim Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est, que significa: “Igreja reformada está sempre se reformando”. Esse conceito é essencial. Tinham consciência de que o que eles diziam e faziam, escreviam e decidiam precisaria ser revisitado. Revisado. Reelaborado.

Eu faço parte dessa tradição.

Faço parte de uma corrente histórica e mundial de pessoas que creem que Deus não nos deixou sozinhos, mas que está envolvido na história humana desde o início. São pessoas que creem que, em Jesus, Deus habitou entre nós de maneira singular e poderosa, mostrando-nos um novo tipo de vida. Dando a cada um de nós uma nova perspectiva para nossa vida em comunhão, para o mundo em que vivemos.

Como parte dessa tradição, eu abraço a necessidade de continuar pintando, continuar reformando.

Com isso não quero me referir a mudanças plásticas, superficiais, como melhor iluminação e música, imagens mais nítidas e métodos inovadores com passos fáceis de seguir. Quero dizer teologia: convicções acerca de Deus, de Jesus, da Bíblia, da salvação e do futuro. Precisamos continuar reformando a maneira de definir a fé cristã, a maneira de vivê-la e explicá-la.

Jesus é mais convincente que nunca. Mais convidativo, mais verdadeiro, mais misterioso que nunca. O problema não é Jesus, o problema é o que vem com Jesus.

Para muitos, a palavra cristão está associada a todo tipo de imagens que nada dizem sobre quem é Jesus e sobre a maneira pela qual nos ensinou a viver. Isso precisa mudar. […]

Cada geração não pode furtar-se a fazer as perguntas-chave sobre o que significa ser cristãos aqui e agora, isto é, no lugar em que estão e no momento em que vivem.

Se o trabalho pesado não for feito, onde o quadro acabará?

No porão.

É o que em geral acontece. Alguém surge com uma nova perspectiva da fé cristã. As pessoas são inspiradas. Um movimento tem início. A fé que estava enfraquecendo e morrendo agora renasce. Mas, então, o pioneiro do movimento – o artista-pintor – morre, e os discípulos param de buscar, experimentar, pôr à prova. Eles passam a aceitar, equivocadamente, que as palavras do líder foram definitivas sobre o assunto; assim congelam as palavras do líder. Esquecem-se de que essa pessoa inovadora fazia sua parte para avançar, e, portanto, ela tão somente fazia parte da discussão que continuará para sempre. Desse modo, comprometidos com o que fulano e beltrano disseram e fizeram, os seguidores acabam congelando a fé. […]

A tradição, portanto, é pintar, não reproduzir cópias do mesmo quadro interminavelmente. O desafio da arte é tomar o que havia de extraordinário nas obras anteriores e incorporá-lo a novas obras.

E, nesse processo, criar algo belo – para os padrões de hoje. […]

O que sei com certeza é que essa busca de Jesus está nos fazendo voltar tanto quanto nos faz avançar.

Se isso é verdade, então não é novidade.

Tenho aprendido que aquilo que parece inédito é, em geral, a descoberta de algo que já existia há muito tempo – algo que apenas se perdeu em algum lugar e que precisa ser achado, espanado e recuperado.

Tenho aprendido que venho de uma tradição que lutou com as questões mais profundas da existência humana durante milhares de anos. Tenho aprendido que minha tradição inclui rabinos, reformadores, revolucionários, monges, freiras, pastores e escritores, filósofos, artistas e pessoas de toda parte que fizeram grandes perguntas acerca de um Deus grande.

Rob Bell é pastor e fundador da Mars Hill Bible Church. É graduado pelo Wheaton College e pelo Fuller Theological Seminary. Retirado de Repintando a igreja: uma visão contemporânea (São Paulo: Editora Vida, 2008), p. 11-16.

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