Pós-modernidade: inimiga ou amiga?

A pós-modernidade é o momento em que a modernidade está sendo questionada, as proposições da modernidade são questionadas. E este é o nosso grande momento. Na minha opinião e de muitos outros, a pós-modernidade não é nossa inimiga. É nossa grande amiga.

Os cristãos costumam dizer que a pós-modernidade questiona a verdade, confronta a modernidade. Então eles argumentam que isso é ruim para nós, cristãos, porque nós temos a verdade da Palavra de Deus; temos Jesus, que é a verdade; temos a Palavra do Deus que não pode mentir; dizemos que alguém conhece a verdade, e a verdade o libertará.

Quando o pessoal da pós-modernidade vem questionar a verdade – e a gente acusa a pós-modernidade de ser relativista –, a gente se assusta e fala: “Esses caras são do diabo. É mais um movimento do demônio para acabar com a igreja, acabar com a verdade do evangelho”.

Negação da verdade?

Mas eu acho que há a possibilidade de se fazer uma outra leitura. A modernidade afirmava a verdade racional. Não é que a pós-modernidade negue a existência da verdade; ela só diz que a razão humana não dá conta de conhecer a toda verdade. A verdade não é objeto de método científico.

A pós-modernidade diz que há necessidade de uma outra concepção epistemológica. Isto é: Como eu conheço a verdade? A modernidade dizia: “Pela razão e pela racionalidade”. A pós-modernidade diz: “Não dá. A verdade é muito maior do que a ciência dá conta e do que a razão humana dá conta”. Quando a pós-modernidade diz isso, o que ela faz? Ela coloca em suspeição toda a afirmação racional de verdade.

E aí ela vai gerar discursos muito interessantes. Como, por exemplo: na pré-modernidade, quando eu dizia o seguinte: “Isto aqui é a verdade”, a pessoa ia falar o seguinte: “Quem disse?”. E eu respondia: “Deus!”. “Então tá bom, é a verdade.” E se a pessoa não concordasse que foi Deus quem falou que isto aqui é a verdade, fogueira nela.

Na modernidade, quando eu dizia: “Isto aqui é a verdade”, a pessoa dizia: “Prove! Prove racionalmente que isso aí é a verdade”.

Na pós-modernidade, quando eu digo: “Isto aqui é a verdade”, a pessoa diz: “E daí? Essa é a sua verdade”. Ou diz assim: “Quem é você para ficar dizendo que isso aí é a verdade? Eu também tenho a minha verdade”.

Então, na pré-modernidade, Deus estava no centro. Na modernidade, o homem estava no centro. E, na pós-modernidade, não é que não tem centro. É a subjetividade humana que está no centro. É a famosa frase: “Cada cabeça, uma sentença”. Cada um tem a sua verdade. A pós-modernidade é o tempo em que não há espaço para a afirmação categórica da verdade, porque toda afirmação categórica da verdade estará posta em suspeição.

Novas oportunidades

Agora, quando alguém diz assim: “A pós-modernidade acabou com a verdade. Ela tornou a verdade subjetiva, colocou a verdade em suspeição, relativizou a verdade”, eu digo: “Que bom! Isso para nós é ótimo!”. Porque nós estamos dizendo assim: “Pessoal, todo mundo tá de acordo que a razão humana não dá conta da verdade?”. “Todo mundo!” Então: a verdade é uma questão de revelação.

Os pós-modernos vão dizer que a verdade é uma questão de experiência. Então nós entramos e dizemos: “Sim, a verdade é uma questão de experiência, mas também é uma questão de revelação”. Por quê? Porque não é a razão humana que se apropria da verdade. É a verdade que se apropria da razão humana. Isso é cristianismo.

Nós não andamos por certeza racional. Andamos por confiança. É diferente. Porque a verdade, para nós, não é um objeto a ser analisado pelo método científico e descrito racionalmente. A verdade é uma Pessoa com quem nos relacionamos pela fé, ou seja, pela confiança pessoal.

Relação de confiança

Então, quando a gente descreve a verdade como objeto, eu digo: “Isto aqui [um copo de água] é um copo de Coca-Cola. Verdade ou mentira?” “Mentira.” Mas essa descrição de verdade não cabe para a próxima afirmação: “Eu amo você. Verdade ou mentira?” “Sei lá.” Agora não é questão de verdade ou mentira porque você vê e, racionalmente, você codifica, decodifica, interpreta, analisa, compara fato com fato.

Agora é uma questão relacional e de confiança. Não é uma questão de descrição objetiva de objetos. É uma questão de relacionamento entre pessoas. E a nossa fala, como cristãos, é que Jesus é uma pessoa. A verdade cristã é uma Pessoa; não é um conceito.

Por isso acredito que a pós-modernidade é muito nossa amiga. A modernidade afirmava a hegemonia da razão, o mito do progresso, a supremacia do homem e essa ideia toda. Então, junto com a pós-modernidade, a gente diz: “Bobagem! O homem não tá com essa bola toda!”.

Ed René Kivitz, mestre em Ciências da Religião, é pastor da Igreja Batista de Água Branca, São Paulo. Possui um blog e desenvolveu a série Talmidim, formada por vídeos curtos com reflexões bíblicas. 

O texto acima foi retirado da palestra “Lutando pela igreja” (a partir de 24min03s), que pode ser assistida neste vídeo:

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