Como estudar a Bíblia

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A geração atual, pós-moderna, não busca a verdade na igreja, na Bíblia (como tradicionalmente compreendida), ou na ciência. Em vez disso, busca a verdade na comunidade e na narração de histórias. Mas isso não é de todo ruim. O conceito de verdade como história fornece um poderoso corretivo para a maneira como os cristãos tradicionalmente usam a Bíblia.

Na era moderna, as pessoas tratavam a Bíblia como uma mina, e não como uma história. Ela era um conjunto de materiais a partir do qual se podia escavar “textos-prova” (versículos fora de contexto), que seriam reunidos em sistemas lógicos e coerentes. Na prática, a Bíblia em si não era a verdade. A verdade era o que nós extraíamos da Bíblia. Nesse processo, infelizmente, se tornava muito fácil moldar as “verdades” da Bíblia segundo a imagem do leitor.

Pessoas que leem a Bíblia desse modo com frequência se frustram ao ver que os outros não acham fácil compreender as verdades bíblicas. Para esses cristãos, seria mais fácil se a Bíblia tivesse sido escrita no formato de um manual lógico e organizado de doutrinas. Mas, honestamente, é impossível abrir a Bíblia e ver nelas uma exposição das “28 Crenças Fundamentais” ou de qualquer outra confissão de fé.

Uma coleção de histórias

Em vez disso, a Bíblia é uma coleção de histórias, poemas e cartas pessoais. Ela oferece vislumbres de Deus, mas com frequência não apresenta o tipo de certeza “preto no branco” exigido por muitos cristãos. Muitos textos e ensinos da Bíblia são menos do que perfeitamente claros. Por isso, alguns pensam que Deus poderia ter sido um pouco mais claro sobre a questão da verdade.

Não sei exatamente em que Deus estava pensando quando decidiu que a Bíblia fosse produzida da maneira como o foi, mas só posso presumir que ela é precisamente o que Deus gostaria que fosse. Em vez de forçar a Bíblia a dizer o que eu quero que diga, devo tomá-la tal como é e buscar entender o que ela me diz a respeito de Deus.

Em Sua sabedoria, Deus decidiu que a Bíblia fosse uma coleção de histórias em vez de ser uma apresentação coerente de doutrinas cuidadosamente definidas. Se esse é o caso, o pós-modernismo pode ser nossa melhor oportunidade de explorar plenamente o que a Bíblia diz sobre o caráter e os propósitos de Deus. Como em vários outros aspectos, eu não consigo deixar de ver a mão de Deus na pós-modernidade. – Jon Paulien, Everlasting Gospel, Ever-changing World: Introducing Jesus to a Skeptical Generation (Boise, ID: Pacific Press, 2008), p. 63-64.

Uma grande narrativa

Como livro, a Bíblia é, essencialmente, uma grande narrativa, que começa no Gênesis e termina no Apocalipse. Quem conhece apenas versículos ou trechos isolados talvez não se dê conta disso, mas os livros bíblicos foram escritos para serem lidos e ouvidos na íntegra. Mais recentemente, nos séculos 13 e 16, respectivamente, foi desenvolvido o sistema de capítulos e versículos, que é muito útil para localizar textos em qualquer edição da Bíblia. No entanto, esse sistema tem a tendência de levar à fragmentação do texto e não deveria ser determinante para a sua leitura. – O Livro dos livros: edição literária da Bíblia Sagrada (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011), p. 7.

Guia de leitura da Bíblia

Muitas pessoas acreditam que apenas um líder religioso ou alguém que possui doutorado em teologia pode interpretar a Bíblia de maneira correta. Mas é interessante notar que os autores bíblicos esperavam que todos a lessem e compreendessem, mesmo aqueles que não haviam recebido muita instrução formal (Dt 30:11-14; Jo 20:30-31; At 17:11; Ap 1:3). A Bíblia foi escrita para o povo!

Confira cinco dicas simples e importantes para a compreensão da Bíblia, que podem ser seguidas por qualquer pessoa:

1. Estude a Bíblia com oração e humildade

Nosso coração é naturalmente enganoso (Jr 17:9). Por natureza não temos disposição de ser ensinados. Não importa quanto você saiba sobre o idioma grego ou quantos doutorados você possua, se não tiver um coração humilde e disposto a aprender, seu estudo da Bíblia não terá resultados satisfatórios.

Conhecer a Deus, de acordo com a Bíblia, é mais do que uma atividade intelectual ou um estudo acadêmico (Jo 7:17; 1Co 2:14; 2Ts 2:10; Tg 1:5). Conhecemos a Deus somente quando estamos dispostos a aprender a verdade que vem dEle não importando o que custar.

O estudo da Bíblia deve começar com aquilo que pode ser chamado de “oração autêntica”. Essa oração pode ser feita assim: “Senhor, eu desejo a verdade não importa o que ela me custar”. Essa é uma oração difícil de ser feita, mas, se você orar dessa maneira, conhecerá a vontade e o plano de Deus. Jesus prometeu que o Espírito Santo nos guiará ao buscarmos conhecer a vontade de Deus (Jo 16:13-14). Jesus está ansioso para cumprir Sua promessa.

2. Compare várias traduções da Bíblia

Se você não tem acesso à Bíblia em hebraico e grego (os idiomas nos quais ela foi escrita), pode consultar várias traduções bíblicas ao estudar algum texto. As melhores traduções em português são a Almeida Revista e Atualizada, a Bíblia de Jerusalém e a Nova Versão Internacional. As duas primeiras usam linguagem mais culta, e a última, linguagem mais acessível.

Cada tradução tem suas limitações e, em alguma medida, reflete os conceitos e preconceitos dos tradutores. Essas limitações podem ser minimizadas ao se comparar várias traduções. Cada tradução apresenta um aspecto do significado do texto. Portanto, quando comparamos várias traduções, temos uma compreensão mais ampla.

Suponhamos que você esteja comparando quatro versões bíblicas. Se três ou quatro traduzem um texto bíblico de forma muito semelhante, é provável que o texto original seja claro e, portanto, essa é a forma correta de ser traduzido. Por outro lado, se cada tradução apresenta um sentido diferente, provavelmente o texto original seja difícil ou ambíguo.

Quando várias traduções são semelhantes e, portanto, o texto é claro, podemos nos basear com segurança na tradução daquele texto. Quando as traduções indicam que o texto é ambíguo e difícil de ser traduzido, não é seguro basearmos alguma doutrina ou comportamento naquele texto específico.

3. Passe mais tempo nos textos claros

Se você realmente deseja que a Bíblia fale por si mesma, passe a maior parte do estudo nos textos bíblicos mais claros. Existem muitas partes da Bíblia sobre as quais há pouco acordo entre os cristãos e mesmo entre os especialistas em hebraico e grego. Portanto, um passo fundamental no estudo da Bíblia é dedicar a maior parte do tempo nas seções que são razoavelmente claras. Os textos claros da Bíblia o ajudarão a ter uma boa compreensão sobre os assuntos centrais da mensagem bíblica. Eles também irão impedi-lo de usar de maneira errada os textos mais ambíguos.

Se você passar a maior parte de seu estudo em textos como as trombetas do Apocalipse (Ap 8-9) ou Daniel 11, você correrá o risco de se tornar espiritualmente desequilibrado. Pessoas que interpretam a Bíblia de maneira errada geralmente se concentram em textos difíceis, desenvolvem soluções criativas para as dificuldades que encontram e se baseiam em textos obscuros para criar uma teologia inteira.

4. Leia capítulos inteiros em vez de versículos isolados

Muitas pessoas costumam estudar a Bíblia de maneira fragmentada. Leem um versículo e então o comparam com dezenas de versículos que supostamente tratam do mesmo assunto. Essas pessoas já criaram uma teoria e simplesmente procuram textos bíblicos que apoiem sua ideia. Qual é o problema com isso? A pessoa não permite que a Bíblia fale por si mesma, mas impõe suas ideias sobre os textos bíblicos. Muitos acham que existe virtude em citar grande número de versículos bíblicos, mas acabam cometendo o erro de distorcer a Bíblia.

Contudo, a Bíblia é uma coleção de histórias e uma grande narrativa. E ninguém lê um bom livro de histórias consultando apenas trechos isolados. Quando você lê um livro bíblico do começo ao fim, você acompanha o desenrolar do raciocínio do autor. O autor bíblico está no controle da sequência do texto. Esse é o tão importante contexto. O autor conduz você de uma ideia a outra, e o estudo não é controlado pelos interesses ou ideias que você possui. Ler os textos bíblicos de maneira completa permite que você entenda as intenções dos escritores bíblicos e veja o “quadro completo”, que é maior garantia contra interpretações bizarras de partes isoladas.

Quando não entendemos um texto bíblico difícil, na maioria das vezes tudo o que precisamos fazer é ler seu contexto – os versículos que vêm antes e os que vêm depois. Leia todo o capítulo em que está o texto examinado. Depois, procure se familiarizar com a mensagem do livro inteiro. Mas nunca leia um versículo sem considerar o seu contexto.

Ler textos completos estimula a disposição de aprender e ajuda a ver o texto como ele realmente é. Precisamos comparar textos bíblicos que tratam do mesmo assunto, mas antes disso precisamos ler e nos familiarizar com o texto bíblico completo.

5. Concentre-se nos temas centrais da Bíblia

Certa vez, recebi a visita de uma testemunha de Jeová. Eu decidi passar algum tempo estudando a Bíblia com ele para conhecer melhor as crenças desse grupo. Mas aconteceu algo muito curioso: nós dois discordávamos sobre a interpretação de cada texto bíblico que líamos. Certo dia, frustrado, falei: “Se a Bíblia é a fonte da verdade para os cristãos, então nenhuma organização deve controlar o que a Bíblia diz”.

Ele concordou. Então, sugeri que deixássemos de lado todos os livros e artigos a respeito da Bíblia e simplesmente lêssemos o Novo Testamento do início ao fim. Quando terminássemos a leitura, cada um de nós perguntaria a si mesmo: “As minhas crenças refletem as ênfases e os temas centrais do Novo Testamento?”.

Nós dois descobrimos que a Bíblia, lida por completo, é um livro muito diferente do que parece quando buscamos um versículo aqui e outro versículo ali, e os colocamos juntos para comprovar uma teoria pré-concebida. A mente daquele rapaz estava aberta ao estudo da Bíblia como nunca antes. E, para mim, a Bíblia havia se tornado um livro novo. – Adaptado de Jon Paulien, Meet God Again for the First Time (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2003), p. 11-17; idem, The Deep Things of God: An Insider’s Guide to the Book of Revelation (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 79-92.

Jon Paulien, Ph.D. (Andrews University), é diretor da Faculdade de Teologia da Universidade de Loma Linda (EUA). Ele é especialista no livro de Apocalipse e na relação entre fé e cultura contemporânea.

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