Cristianismo massificado

Foi somente após a conversão de Constantino, no ano 312, e a consequente transformação do cristianismo numa religião lícita, que começaram a surgir as monumentais e luxuosas basílicas, exatamente sob o patrocínio do imperador e sua mãe Helena Augusta. Esse abandono do modelo das igrejas-do-lar, que predominara por quase trezentos anos, foi também marcado por uma radical aproximação entre a igreja e o império, e a consequente adoção por parte daquela do modelo hierárquico imperial. Nas palavras de Krautheimer, “a igreja se tornou um corpo oficial intimamente ligado à administração imperial e também um poder político”.

Sob Constantino, a igreja passou a ser vista como um reino, praticamente nos mesmos moldes dos reinos terrestres; Cristo, como o Rei, cujo representante direto, o “vicário de Cristo”, não era outro senão o próprio Constantino; e os bispos, como oficiais de governo, com as insígnias e os privilégios dos mais elevados oficiais governamentais. Isso teve um profundo efeito sobre a liturgia da igreja, que acabou retornando ao modelo cúltico do antigo templo de Israel: a igreja se tornou templo; o bispo, sacerdote; o púlpito, altar; e o culto, sacrifício, o sacrifício da missa.

Tais mudanças, de graves implicações teológicas, acabaram corrompendo algumas das verdades mais fundamentais da fé cristã, como a salvação por Cristo apenas, Sua intercessão no santuário celestial e o livre acesso do crente a Deus. A massificação, associada à institucionalização e à obliteração da obra de Cristo, trouxe apostasia e estagnação. Nunca mais a religião cristã seria a mesma.

Nem a reforma protestante e nem a pregação das três mensagens angélicas conseguiu acabar com as grandes congregações. A centralidade de Cristo no plano da salvação foi restaurada, como também o foi o papel preponderante da fé como meio de se alcançar a salvação. A verdade do santuário celestial, a proximidade do juízo e a perene validade da lei de Deus, em particular do mandamento do sábado, também foram restauradas, mas continuamos com uma religião massificada, com congregações enormes, onde a participação se limita a uns poucos privilegiados, e talvez essa seja uma das principais razões pelas quais ainda não conseguimos concluir a obra.

Para não mencionar o excessivo ritualismo que não raras vezes caracteriza, por exemplo, a celebração da Santa Ceia em algumas de nossas igrejas, com cerimônias cansativas que se estendem por horas a fio, sendo que a maior parte do tempo é gasta tão somente com a distribuição do pão e do vinho. […]

A verdade é que talvez nunca tenha sido da vontade de Deus que tivéssemos grandes congregações com centenas e, muito menos, com milhares de membros. No período de maior crescimento da igreja, período esse que se estendeu até o início do quarto século, as igrejas-do-lar, com no máximo umas poucas dezenas de membros, foram o instrumento mais eficiente para manter a igreja unida, fervorosa e dinâmica naquele que, talvez, tenha sido o período mais difícil de sua história. Não tenho dúvida de que os pequenos grupos poderão ter um efeito semelhante nesses momentos finais de nossa história na Terra.

Wilson Paroschi, Ph.D. (Andrews University), é professor de teologia no Unasp. Retirado de “Os pequenos grupos e a hermenêutica: evidências bíblicas e históricas em perspectiva”, em Teologia e metodologia da missão: palestras teológicas apresentadas no VIII Simpósio Bíblico-Teológico Sul-Americano, ed. Elias Brasil de Souza (Cachoeira, BA: CePliB, 2011), p. 364-366, 369 (grifo nosso).

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