Falsas reformas entre os adventistas

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Parece aumentar o número de adventistas que se consideram reformadores vocacionados por Deus. Quase profetas, na prática. A missão deles é levar aos demais membros da igreja, e sobretudo aos líderes, uma luz especial, que só eles possuem, e ninguém mais. Proliferam sermões em igrejas (principalmente as pequenas), sites na internet, grupos de estudo e publicações independentes que seguem essa linha.

E essa “reforma” não inclui somente listas infindáveis de “pode” e (principalmente) “não pode”, referentes a cada detalhe da vida. Não inclui somente universalizar conselhos de Ellen White sobre situações específicas (uma prática contrária às explícitas instruções dela). Vai muito além: os falsos reformadores não se constrangem em acusar (pública ou privadamente) de apostasia líderes, publicações e projetos oficiais da igreja. Praticamente todos os líderes da igreja estariam envolvidos numa grande conspiração para implantar uma “nova teologia”, mais distante da verdade dos pioneiros e mais próxima de Babilônia. Além disso, há os que descobrem uma “nova luz”, desconhecida tanto pelos pioneiros como pela igreja atual, geralmente a respeito de detalhes proféticos e outros pontos periféricos.

A “mensagem de 1888”

Um dos aspectos mais intrigantes desses reformadores, conhecidos tecnicamente como “adventistas históricos”, é que eles constantemente apelam à chamada “mensagem de 1888”. Esse termo se refere à assembleia mundial da IASD realizada nesse ano, quando E. J. Waggoner e A. T. Jones enfatizaram a centralidade de Cristo na teologia adventista e a mensagem da salvação pela graça somente. Em resultado, sofreram a oposição de quase todos os líderes da igreja, com exceção de Ellen White e uns poucos mais. Para esses líderes, Jones e Waggoner estavam pregando uma “nova teologia” que destruiria a “velha ortodoxia”. (Posteriormente, esses líderes se arrependeram de seu procedimento equivocado.)

O intrigante está no fato de que tudo o que os chamados “adventistas históricos” fazem é repetir os argumentos e as teorias dos que se opuseram a Jones e Waggoner. O espírito crítico, o legalismo e o fanatismo tão combatidos por Ellen White durante toda a sua vida, principalmente depois de 1888, tornam-se o centro do ministério dos falsos reformadores. (Para conhecer mais sobre o assunto, veja George R. Knight, A Mensagem de 1888 [Casa Publicadora Brasileira, 2003].)

Embora tenham a boa intenção de corrigir o secularismo e a falta de compromisso existentes entre muitos adventistas, esses reformadores vão ao outro extremo. Mas precisamos lembrar que a única solução para o pecado sempre foi a centralidade de Cristo e de Sua graça, e não pregações que superenfatizem a importância das normas de comportamento (que, nessas pregações, muitas vezes não passam de criações humanas). Somos aconselhados:

Seja a ciência da salvação o tema central de todo sermão, de todo hino. […] Não introduzam em suas pregações coisa alguma em suplemento a Cristo, sabedoria e poder de Deus (Evangelismo, p. 185).

De todos os professos cristãos, devem os adventistas do sétimo dia ser os primeiros a exaltar Cristo perante o mundo (ibidem, p. 188).

São estes os nossos temas: Cristo crucificado pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado dentre os mortos, Cristo nosso intercessor perante Deus; e intimamente relacionada com estes assuntos acha-se a obra do Espírito Santo, representante de Cristo, enviado com poder divino e com dons para os homens (ibidem, p. 187).

Nossas igrejas estão perecendo por falta de ensino sobre o assunto da justiça pela fé em Cristo, e verdades semelhantes (Obreiros Evangélicos, p. 301).

Não “um aqui e outro ali”

Ao serem aconselhadas por líderes da igreja, a defesa dos falsos reformadores é a seguinte (cito textualmente as palavras de alguém que defende na internet essas ideias):

Falamos “mal” da igreja assim como Jeremias, Ezequiel, Elias e João Batista também falaram. Por esse motivo foram perseguidos e mortos, por amor à igreja da qual “falavam mal”. E os aparentemente “defensores da igreja” na verdade estavam mesmo defendendo o erro e procuravam silenciar os “perturbadores de Israel”. E isso nestes últimos dias só aumentará, sob o mesmo pretexto.

Sobre isso, Ellen White adverte:

O ­Senhor não confiou a meus irmãos a obra que me deu para fazer. Alguns têm reclamado que minha maneira de dar reprovação em público leva outros a serem críticos, cortantes e severos. Se esses assumem a responsabilidade que ­Deus não depôs sobre eles; se desrespeitam as instruções que Ele seguidamente lhes deu através do humilde instrumento de Sua escolha, a fim de torná-los bondosos, pacientes e tolerantes, somente eles responderão pelos resultados (Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 20).

Esse texto é muito claro. É totalmente indevido um “reformador” se referir aos antigos profetas como argumento para criticar a liderança da igreja e os demais membros. Embora Ellen White e outros profetas por vezes tenham usado palavras duras e “críticas”, mesmo em relação a indivíduos específicos, nós não temos o direito de fazer o mesmo. Nosso maior objetivo é sermos “bondosos, pacientes e tolerantes”. Temos o dever de falar contra o pecado, mas não exatamente da mesma maneira que os profetas. A razão disso é que o profeta possui maior autoridade do que a igreja, enquanto nós devemos ser suficientemente humildes para submeter nossas opiniões pessoais ao corpo da igreja. Os textos a seguir tornam claro esse ponto.

Deus não esqueceu o Seu povo, escolhendo uma pessoa isolada aqui e outra ali, como os únicos dignos de que lhes confie a verdade. Não dá a ninguém luz contrária à estabelecida fé do corpo de crentes. Em toda reforma, surgiram pessoas pretendendo isso. Paulo advertiu a igreja de seu tempo: “Dentre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (Atos 20:3). O maior mal ao povo de Deus vem por intermédio dos que saem de seu meio, falando coisas perversas. Por eles é blasfemado o caminho da verdade. Ninguém confie em si mesmo, como se Deus lhe houvesse concedido luz especial acima de seus irmãos. […]

Existem mil tentações disfarçadas, preparadas para os que têm a luz da verdade; e a única segurança para qualquer de nós está em não recebermos nenhuma nova doutrina, nenhuma interpretação nova das Escrituras, antes de submetê-la à consideração dos irmãos de experiência. Apresentem-na a eles, com espírito humilde e pronto para aprender, fazendo fervorosa oração; e, se eles não virem luz nisto, atendam ao seu juízo, porque “na multidão de conselheiros há segurança’” (Provérbios 11:14). […]

Foi-me mostrado que é a tática do inimigo levar as mentes a se deterem em algum ponto obscuro ou sem importância, alguma coisa que não foi plenamente revelada ou não é essencial à nossa salvação. Isso se torna o tema de todos os momentos, a ‘verdade presente’, quando todas as suas pesquisas e suposições só servem para tornar as coisas mais obscuras que antes, e confundir o espírito de alguns que deviam estar buscando unidade mediante a santificação da verdade” (O Outro Poder: conselhos aos escritores e editores, p. 30-32; veja também p. 20-34).

Alguns podem pensar que essas orientações promovem o autoritarismo e limitam a liberdade de expressão. Em realidade, elas falam contra o orgulho, a arrogância e o individualismo que comumente são manifestados por pessoas que desejam reformar toda a igreja (exceto a si mesmos). Esses são os problemas que estão no cerne das falsas reformas. Para essas pessoas, todos os pastores e administradores da igreja, todos os teólogos que passaram a vida inteira estudando a Bíblia e os escritos de Ellen White, não sabem nada. Então, esses reformadores precisam esclarecer a todos sobre as “verdades” que descobriram.

A posição oficial da IASD

Somos advertidos de que, nos últimos dias, “soprará todo vento de doutrina” (Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 80) e “introduzir-se-ão entre [nós] heresias” (Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 707). Para proteger a igreja da influência dos falsos reformadores, que promovem extremismo, especulações e falsas doutrinas, a Divisão Sul-Americana da IASD aprovou, em 2011, a seguinte declaração (que também existe na Divisão Norte-Americana):

Não recomendamos as atividades de qualquer ministério, grupo ou pessoa que se sente na liberdade de:

1) difamar a Igreja de forma pública ou privada; ou

2) promover teorias doutrinárias em desacordo com as 28 Crenças Fundamentais da IASD, tais como o antitrinitarianismo e a negação da personalidade do Espírito Santo, o perfeccionismo e a teoria de que Cristo veio com uma natureza humana moral e espiritualmente caída, questionamentos ao dom profético de Ellen G. White, especulações escatológicas, desequilíbrio na área da saúde, etc. […]

Diante dos prejuízos que podem ocasionar à unidade da Igreja e ao cumprimento de sua missão, nenhuma pessoa ou ministério com alguma destas características deve ser convidada(o) a participar em atividades da igreja” (Revista Adventista, junho de 2011, p. 18).

Nem sempre a liderança da igreja tem lidado com esses problemas da maneira correta, mas o fato é que devemos tratar essas pessoas com amor e cortesia, imitando a Cristo. Jamais devemos expô-las à vergonha nem criticá-las nominalmente em público. Amar sempre foi e sempre será nosso maior desafio.

Por outro lado, não podemos deixar que os membros da igreja sejam levados por falsas doutrinas. Todas essas falsas reformas não trazem apenas prejuízos teóricos ou teológicos. Espalham discórdia e contenda entre os membros da igreja. Essas ideias distorcem completamente o caráter de Deus e o significado do evangelho da graça. Produzem um constante e crescente senso de culpa, uma escravidão espiritual, criando um Deus que jamais está satisfeito nem aceita os pecadores. A completa paz de Cristo, a certeza da salvação pela graça, jamais permeia o coração dos que pregam ou ouvem essas teorias.

A posição teológica da IASD, solidamente fundamentada na Bíblia e centralizada em Cristo, é apresentada no livro Nisto Cremos (Casa Publicadora Brasileira, 2008) e no Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia (Casa Publicadora Brasileira, 2011). É verdade que seres humanos não são infalíveis, e um indivíduo muito menos; por isso, na igreja, Deus não revela Sua verdade a “uma pessoa isolada aqui e outra ali”, mas ao “corpo de crentes” (O Outro Poder: conselhos aos escritores e editores, p. 30). Justamente com esse objetivo Deus concedeu dons espirituais: designou alguns “para pastores e mestres”, para que “não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro” (Efésios 4:11, 14, NVI).

Precisamos orientar os membros da igreja e esclarecer as dúvidas dos que sinceramente desejam aprender. Mas devemos tomar cuidado para que nossa agenda não seja ditada pelos que propagam falsos ensinos.

Se pessoas empenhadas em apresentar e defender a verdade bíblica empreendem investigar e mostrar a falácia e incoerência dos homens que, insinceramente, transformam a verdade de Deus em mentira, Satanás há de levantar adversários suficientes para lhes manter a pena constantemente ocupada, enquanto outros ramos da obra terão de sofrer. Devemos possuir mais do espírito daqueles que estavam reedificando os muros de Jerusalém. Estamos fazendo uma grande obra, e não podemos descer. Se Satanás for capaz de manter pessoas ocupadas em responder às objeções dos oponentes, impedindo-os assim, de realizar a mais importante obra para o tempo atual, seu objetivo será atingido (Obreiros Evangélicos, p. 376).

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  1. Tudo isso seria resolvido com JESUS no centro de todo pensamento cristão. Parece lógico, mas se perdeu no tempo. Tanto é verdade que tomei um livro emprestado, e este trata em seus primeiros capítulos de episódios fantásticos da vida de Cristo. Em tal parte, não houve sequer uma anotação ou marcação por parte do proprietário; já na parte do regime alimentar, há várias, e uma que li hoje me chama a atenção, à caneta e escrita acima de um texto: “Não orar para comer carne”.

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