Tolerância versus crescimento

Como harmonizar estes dois princípios bíblicos?

1. Tolerância com o “irmão fraco” (imaturo)

“Com respeito aos alimentos sacrificados aos ídolos, sabemos que todos temos conhecimento. O conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica. […] Tenham cuidado para que o exercício da liberdade de vocês não se torne uma pedra de tropeço para os fracos. […] Assim, esse irmão fraco, por quem Cristo morreu, é destruído por causa do conhecimento que você tem. Quando você peca contra seus irmãos dessa maneira, ferindo a consciência fraca deles, peca contra Cristo” (1Co 8:1, 9, 11-12).

“Pois nenhum de nós vive apenas para si, e nenhum de nós morre apenas para si. […] Se o seu irmão se entristece devido ao que você come, você já não está agindo por amor. Por causa da sua comida, não destrua seu irmão, por quem Cristo morreu” (Rm 14:7, 15).

2. Crescimento cristão

“Já que vocês morreram com Cristo para os princípios elementares deste mundo, por que, como se ainda pertencessem a ele, vocês se submetem a regras: ‘Não manuseie!’, ‘Não prove!’, ‘Não toque!’? Todas essas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se baseiam em mandamentos e ensinos humanos. Essas regras têm, de fato, aparência de sabedoria, com sua pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os impulsos da carne” (Cl 2:20-23).

Sobretudo num país de dimensões continentais e multiculturalizado como o Brasil, o “escândalo” pode ir de usar uma roupa vermelha na plataforma a assistir desenhos de super-heróis (por mais bizarro que pareça, sei de casos em que ambos causaram escândalo). De modo que, por mais que tentemos, sempre acabaremos escandalizando alguém.

Não que devamos desprezar a ordem bíblica de não escandalizar, mas o que chama a atenção é a insistência que temos como igreja em “passar a mão na cabeça” do irmão escandalizável. Paulo chama a esse irmão de “fraco na fé” (Rm 14:1; 1Co 8:7), mas parece que muitos crentes acham que ser “fraco na fé” é uma virtude.

É verdade que não devemos sair escandalizando as pessoas gratuitamente; isso iria contra o que a Bíblia ensina. Acontece que, comumente, somos tão “cheios de dedos” que perpetuamos a fraqueza desses irmãos infinitamente, sob o pretexto de não escandalizá-los. Isso não é preservar o irmão, mas preservar a ignorância dele. O mesmo Paulo que disse para não escandalizar quanto à questão da carne sacrificada a ídolos (1Co 8:7, 9) não temeu instruir dizendo, entre outras coisas, que “não é a comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos se não comermos, e nada ganharemos se comermos” (1Co 8:8; cf. Rm 14:14).

Além do mais, o escândalo do qual Paulo fala não tem que ver com birras e mimos, mas com coisas que mexiam no mais íntimo dos novos conversos, coisas graves a ponto de fazer o irmão fraco apostatar da fé (Rm 14:15; 1Co 8:7, 11-12; note o uso da palavra “perecer”). Mas geralmente o argumento do escândalo vem de pessoas experientes, que estão na igreja há décadas. Assim, já deveriam ter maturidade teológica e estar mais preocupadas em não escandalizar os “pequeninos”, e não em ser escandalizadas (Mt 18:6).

O abuso do “não escandalize” é um dos fatores que contribuem para termos uma igreja cada vez mais mimada e biblicamente analfabeta. A ordem bíblica para não escandalizar não anula a ordem – também bíblica – de, com amor, instruirmos a igreja acerca do que a Bíblia realmente ensina.

Por isso, acredito que, em vez de simplistamente sacarmos esse verso de Paulo a cada polêmica, nossa preocupação deve ser instruir o povo para que ele não viva como “fraco na fé” a vida inteira. Sinceramente, essa não parece ser a preocupação muitas vezes, e sim usar essa passagem bíblica como pretexto para que nossas “vacas sagradas” continuem intocadas, numa forma de idolatria ideológica.

(Vanedja Cândido)

Leia também: “A tirania do irmão fraco”.

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