O que é a igreja?

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1. Comunidade da cruz

A convocação de Jesus Cristo para o discipulado encerra o mais fascinante projeto de vida, pois se inicia na história, dando sentido à peregrinação existencial, e se consuma na eternidade, na plena realização de todo o universo criado, finalmente devolvido às justas e amorosas mãos de seu Criador. No coração deste propósito eterno do Reino de Deus está a Igreja, e mais precisamente a comunidade cristã local. A resposta cristã para a necessidade de um projeto existencial é a vida em comunidade – a comunidade cristã que o Novo Testamento apresenta como “comunidade da cruz”, pois é em resposta à obra da cruz, aos benefícios da cruz e aos imperativos da cruz que a igreja existe.

A salvação não pode ser anunciada somente em termos de eternidade, mas deve confrontar o homem contemporâneo com a cruz de Cristo e convocá-lo a tomar a sua cruz. Para uma sociedade humanista e hedonista, que colhe os frutos amargos do egoísmo e da vida preocupada com o horizonte do umbigo, a Igreja deve se mostrar como lugar onde o viver para si mesmo foi substituído pelo viver para Deus, que, em termos práticos, implica viver para o próximo. Lugar dos egos mortos, mortos na cruz de Cristo, e ressuscitado para uma nova vida, uma nova raça, uma nova humanidade.

2. Comunidade da vida

O Novo Testamento também apresenta a Igreja como “comunidade da vida”, pois aqueles que respondem à cruz de Cristo experimentam o novo nascimento, que dá origem ao novo homem, que experimenta a nova vida. O encontro com Cristo se expressa em categorias éticas, se explica em bases doutrinais, mas é essencialmente uma questão de transformação: quem está em Cristo transcende a natureza humana e se torna participante da natureza divina (2Pe 1:4). Para uma sociedade perdida em neuroses e psicoses, embalada nas drogas e frustrada de dieta em dieta, a Igreja deve se apresentar como ambiente onde a vida de Deus flui, lugar de ajuda do alto, muito além da autoajuda.

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3. Comunidade do amor

A Igreja é também a “comunidade do amor”, pois todos que nasceram de novo em Cristo são desafiados a expressar o amor de Cristo, testemunhando, assim, que são, de fato, discípulos de Cristo (Jo 13:34, 35; 1Jo 3:16; 4:7-21). O relacionamento com Deus é pessoal, a peregrinação cristã é comunitária e, no Evangelho de Cristo, nada, absolutamente nada, é individual. O Reino de Deus existe sob o “Pai nosso”, no qual se partilha o pão nosso. Para uma sociedade chafurdada no egoísmo e trancafiada atrás de grades, guardas e sistemas eletrônicos de segurança, a Igreja deve se apresentar como ambiente fraterno, de acolhimento e reconciliação, lugar de restauração e solidariedade, onde Deus é visto na face do irmão e do próximo. Num tempo em que a solidariedade perde para a poupança e a proposta para acumular bate de goleada no apelo para compartilhar, a Igreja deve ser a mesa da comunhão, “comum-pão”, no qual quem colhe muito não tem sobra e quem colhe pouco não tem falta.

4. Comunidade do carisma

A comunidade cristã é o ambiente prioritário para a manifestação e a experiência da presença de Deus. É o Corpo de Cristo, templo de pedras vivas, habitação do Espírito Santo (1Co 12:12-31; Ef 2:19-22; 1Pe 2:1-9). A Igreja é, portanto, a “comunidade do carisma”, pois é capacitada, através do batismo no Espírito, a experimentar o fruto do Espírito, na dinâmica dos dons do Espírito, sob constantes visitações do Espírito. Toda igreja cristã é carismática, isto é, uma comunidade que convive com fenômenos espirituais – do Espírito-espírito. Ou, conforme John Wimber, a Igreja de Cristo é “naturalmente sobrenatural”. Para uma sociedade mística, cheia de médiuns, gurus, pais-de-santo, magos, duendes e demônios, a Igreja deve se apresentar sem medo de transitar pelas regiões do invisível, e mostrar que não apenas conhece, mas tem ainda nas mãos a autoridade delegada pelo Senhor das Luzes, que determinou que, a partir dela, a Igreja, não haveria mais escuridão definitiva (Mt 16:18, 19; 29:19-20).

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5. Comunidade do Reino

Finalmente, o Novo Testamento ensina que a Igreja é a “comunidade do Reino”, pois a comunidade cristã é responsável por manifestar, aqui e agora, a maior densidade possível do novo céu e da nova Terra, que serão consumados ali e além. A Igreja de Cristo é portadora da promessa do Reino, protagonista dos sinais históricos do Reino e vive na esperança da consumação do Reino. Para uma sociedade que perdeu a esperança e vive “o fim da história e o último homem”, como profetizou Francis Fukuyama, a Igreja deve apresentar o Reino de Deus como utopia. Deve marchar pelas ruas com a canção dos jovens e idealistas cristãos portugueses durante a Revolução dos Cravos: “Oh, vinde vós, os povos de todas as nações, erguei-vos e cantai com alegria, sabei que em breve vem um novo dia; um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá paz na Terra; um dia em que será vencida a morte pela vida e a escravidão enfim acabará”.

Ed René Kivitz, mestre em Ciências da Religião, é pastor da Igreja Batista de Água Branca, São Paulo. Possui um blog e desenvolveu a série Talmidim, formada por vídeos curtos com reflexões bíblicas. Retirado de Outra espiritualidade: fé, graça e resistência (São Paulo: Mundo Cristão, 2006), p. 36-38.

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