O mito dos discípulos iletrados

“[Jesus] recebeu uma educação judaica tradicional. Aos 12 anos, seguindo a prescrição da Mishná (Yoma 8:4), Ele visitou os sábios de Jerusalém. […] A educação judaica de Jesus é evidente no fato de que o povo costumava dirigir-se a Ele como rabino (‘meu mestre’; Mt 26:49; Jo 1:38; 20:16) […]. É interessante notar que Sua profissão de carpinteiro é outra prova de Seu saber. Carpinteiros eram considerados especialmente instruídos, tanto que a palavra ‘carpinteiro’ veio a ser usada como sinônimo de ‘homem instruído’ [t. Avot 1:10]. […]

“[Os seguidores de Jesus] eram sacerdotes (At 6:7) e fariseus (Jo 3:1 [; 3:1; 19:39; At 15:5], mas também zelotes (Lc 6:15), coletores de impostos (Mt 9:9) e pescadores (Mt 4:18). [Sobre pescadores, veja a última citação.] A ideia de que a maioria deles tinha pouca educação é um clichê que ignora a realidade da vida judaica. Nem todas as crianças judias iam à escola rabínica (beyt hamiddrash), mas todas recebiam boa educação religiosa e teológica. Na sociedade judaica, a educação era sobretudo um dever dos pais. Além disso, no final do período do Primeiro Templo, há evidências de que os levitas já ofereciam instrução religiosa formal (2Cr 17:8-9).

“Shimeon ben Shetah, um líder judeu do primeiro século da Era Cristã, decretou que todos os jovens de 17 anos deveriam receber uma educação formal (y. Ketubbot 50b). A Mishná especifica os vários estágios dessa instrução (m. Avot 5:21): aos 5 anos, a criança deveria começar a estudar a Torá; aos 10, a Mishná; e, aos 15, a Guemará. Sem dúvida os discípulos de Jesus haviam recebido essa educação e eram, portanto, muito bem versados nas Escrituras e na instrução teológica. A imagem muitas vezes apresentada dos discípulos de Jesus como ignorantes – seja para desqualificar a mensagem cristã ou para justificar a indolência espiritual e intelectual – está longe da realidade. E, caso ainda reste alguma dúvida sobre a questão, basta examinar os escritos desses discípulos [contidos no Novo Testamento], uma clara evidência de seu pensamento maduro e educação teológica avançada” (Jacques B. Doukhan, Israel and the Church: Two Voices for the Same God [Peabody, MA: Hendrickson, 2002], p. 3-4, 9-10; com referências bibliográficas).

“No relato do evangelho, encontramos a primeira referência histórica a uma cerimônia de Bar Mitzvá (a celebração da maioridade de um menino judeu). Aos 12 anos, Jesus foi a Jerusalém participar da celebração religiosa de Pessach (a ‘Páscoa’) como um membro adulto da comunidade, e envolveu-Se na discussão sobre a Torá com alguns líderes religiosos (Lc 2:41-52). Esse relato reflete uma prática muito antiga dessa cerimônia porque, embora a idade normal para o Bar Mitzvá seja 13 anos, em algumas comunidades orientais, como as comunidades siríacas de Alepo e Damasco, se um menino era considerado muito religioso e adiantado nos estudos da Torá, realizava seu Bar Bitzvá aos 12 anos, em vez de 13” (Reinaldo W. Siqueira, “Yeshuah, Hayehudi (‘Jesus, the Jew’)”, Shabbat Shalom, outono de 2003, p. 28-29).

“A arrogância pode ter prevalecido entre os escribas, mas eles não eram acadêmicos improdutivos. Exigiam que todos ensinassem um ofício a seus filhos e muitos deles mesmos eram artesãos. Os carpinteiros eram considerados particularmente instruídos. Se um problema difícil estava em discussão, perguntariam: ‘Há entre nós um carpinteiro ou filho de carpinteiro que possa solucionar o problema para nós?’ (t. Avot 1:10). Jesus era ambos: carpinteiro e  filho de carpinteiro. Esse fato por si só não constitui uma prova de que ele ou seu pai fossem instruídos, mas vem alegar contra a noção idílica de Jesus como um trabalhador manual ingênuo, afável e simples” (David Flusser, Jesus [Jerusalém: Magnet Press, The Hebrew University, 1998] p. 14-15).

“Uma vez que Pedro e João são chamados ‘homens comuns e sem instrução’ (At 4.13), muitos acham improvável que Pedro tenha sido capaz de escrever essas epístolas [as que levam o seu nome]. Entretanto, a palavra grega usada em Atos 4.13 (agrammatos) significa mais propriamente algo como ‘sem uma educação avançada’, não ‘iletrado’. Os judeus orgulhavam-se da educação dos filhos (cf. Josefo, Contra Ápion, 1.12; 2.26). Pedro, evidentemente, não tinha familiaridade com o Talmude [uma compilação das tradições judaicas e ensinos rabínicos] nem chegara à ‘faculdade’. Entretanto, como negociante da indústria pesqueira, teria de ser alfabetizado e provavelmente era fluente no grego, a língua comum na época [além do aramaico, o idioma falado em Israel. Pedro posteriormente adquiriu formação teológica avançada, pois foi aluno do melhor Rabino que já existiu]. A imagem de Pedro apresentada nas exposições populares das Escrituras – a ideia de que ele tinha algo de grosseiro – é sem dúvida equivocada” (Bíblia de estudo arqueológica NVI [São Paulo: Editora Vida, 2013], p. 2.011).

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